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MÃE DE TODOS

Fabrícia Hamu
Mãe de todos
Foto: Mauro Júnior

Coração de mãe não se engana. Naquela noite quente de 19 de setembro de 1995, a ansiedade da empresária Ana Maria Motta era maior do que nos outros dias. Para a família, a razão seria a proximidade do parto, pois ela já estava com 40 semanas de gravidez. Mas ao assistir na TV uma reportagem sobre a inauguração da piscina da Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) em Goiânia, Ana teve certeza que o motivo era outro. “Um dia ainda vou levar minha filha para brincar nesse lugar”, pensou.

Muito antes que Maria Thereza viesse ao mundo, Ana já sabia que seria mãe de uma criança com Síndrome de Down. “Era um pressentimento muito forte, quase uma certeza”, conta. Ao pegar o primeiro filho no colo e ouvir do médico que estava tudo bem, ela soube que não seria com Matheus. Ainda não seria dessa vez. Mas ao engravidar de novo, o tal pressentimento veio mais forte. E na naquela noite de setembro ela teve a confirmação de que as mães sentem e sabem mesmo de coisas que desafiam a lógica.

Ana recorda-se do silêncio na sala de parto quando Maria Thereza nasceu. “Ela não chorou e a equipe médica ficou tensa e calada”, lembra. Já no quarto, ao perguntar ao médico como estava o bebê, ela ouviu que seria mãe de uma criança especial. “Perguntei se minha filha tinha Síndrome de Down. Surpreso, ele quis saber quem havia me contado. Disse que ninguém precisava ter me dito, porque eu sempre soube”, explica. Ao pegar a pequena Maria Thereza nos braços, prometeu à ela que uma vida de lutas e alegrias começaria ali.

Em meio aos livros e explicações médicas, Ana descobriu que a Síndrome de Down é definida por uma alteração genética caracterizada pela presença de um terceiro cromossomo de número 21, o que também é chamado de trissomia do 21. Uma das características da deficiência é o funcionamento intelectual mais lento que a média, que se manifesta antes dos 18 anos. Além do déficit cognitivo e da dificuldade de comunicação, a pessoa com Síndrome de Down costuma apresentar redução do tônus muscular, cientificamente chamada de hipotonia.

Problemas na coluna, na tireoide, nos olhos e no aparelho digestivo também podem ser comuns, assim como as anomalias cardíacas. Mas nada disso impediu Ana de lutar para que Maria Thereza tivesse uma infância plena e feliz. E entre sessões de natação e fonoaudiologia, eis que ela engravida novamente, e o improvável (presente em uma chance de 1% de possibilidade) acontece: Pedro também nasce com Síndrome de Down. “Quando pensei que estava aprendendo a lidar com uma criança assim, me vi com duas”, diz.

Entretanto, a duplicidade que poderia reduzir pela metade o ânimo e a determinação de Ana teve efeito multiplicador. “Com Pedro, reforcei a convicção de que minha missão na vida era, de fato, lidar com a síndrome e fazer dessas crianças pessoas mais felizes”, constatou. O jeito encontrado por Ana para cumprir seu destino foi auxiliar os filhos a desenvolverem ao máximo seus potenciais intelectuais, emocionais, motores e físicos. Muita atenção, dedicação, alegria e, sobretudo, aceitação. “De nada adianta amar um filho, sem aceitá-lo como ele é”, justifica.

Ana percebeu que os pais de crianças e adolescentes com Síndrome de Down tinham amor de sobra, mas não aceitavam plenamente os filhos e tentavam poupá-los de tudo. “Eles não podem namorar, ir ao cinema, passear. É como se, por serem Down, não tivessem capacidade de se defender das pessoas e das situações e, por isso, não pudessem desfrutar da plenitude da vida”, diz. Na criação de Pedro e Maria Thereza, Ana e o marido provaram o contrário. A garota estuda, namora, vai a festas e adora música. O garoto toca piano com talento, estuda e convive com vários amigos.

Disposta a lutar para que outras crianças e jovens tenham esse mesmo direito, há três anos ela preside a Associação Down de Goiás (Asdown). “Não é fácil. Agora, por exemplo, estamos sem vários profissionais importantes na entidade, como fonoaudióloga e terapeuta ocupacional. Além disso, existe a dificuldade em conseguir mobilizar os pais, em fazê-los compreender a importância de participar ativamente da vida da Associação. Mas vale a muito a pena. Tudo o que já conseguimos, compensa o esforço”, reflete.

Para Ana, a luta dos pais de filhos com Síndrome de Down é coletiva e as vitórias mais saborosas, pois são compartilhadas. “Costumo dizer que quando você é mãe de um Down, é mãe de todos”, afirma. Questionada se sentia-se sobrecarregada pelo fato de ter dois filhos portadores da síndrome, a empresária gentilmente corrige a repórter. “Por favor, não os chame de portadores. Portador é quem carrega uma carga pesada, um fardo. Eu não trago nada disso comigo. Meus filhos são extremamente leves e felizes. Eles são Down, apenas isso”.
   
Maria Thereza e Pedro são como a água. Ela, por ser transparente, autêntica, expondo sem medo seus sentimentos e desejos. Ele por sua profundidade, com sensibilidade ímpar para as artes. Em ambos, Ana vê refletida sua imagem e as lições que os dois lhe passam diariamente. “Com meus filhos aprendo a viver sem pressa. É um dia de cada vez, comemorando cada vitória, por menor que seja”, conta. A empresária também diz que aprende com os filhos a superar constantemente seus medos. Afinal, como dizia Guimarães Rosa, o que a vida quer da gente é coragem.

Fonte: http://www.aredacao.com.br



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